Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

DIREITO DOS ÍNDIOS SOBRE AS TERRAS

De: Vânia Fialho (1)

Falamos em comemorar os 500 anos... Comemorar? É surpreendente constatar um passado em que não se respeitava o outro, o nativo, o diferente e em que o colonizador aqui chegou e instalou toda uma estrutura de sociedade trazida consigo, civada de valores eurocêntricos. Ouvimos falar e lemos sobre os etnocídios, genocídios, violências ocorridas num passado distante. Parece tudo tão longe. Mero engano. Estamos vivendo, hoje, as mazelas que alguns, ingenuamente, achavam ter ficado para trás.

Francisco de Assis Araújo, o Chicão, índio Xucuru da serra do Ararobá, foi assassinado a tiros na manhã desta Quarta-feira, 20 de maio de 1998, final do século XX. O motivo? Basta fazer uma rápida retrospectiva.

Os Xucurus habitam a região onde hoje se encontram há séculos. Inúmeros documentos escritos atestam a presença deles nas terras que reivindicam ao Estado para que sejam reconhecidas como tradicionalmente ocupadas por eles. E assim, quem sabe, garantirem sua sobrevivência: um direito constitucional. Da mesma maneira, encontramos documentos que comprovam os conflitos e caracterizam a ocupação da região e do tratamento dispensado aos índios no percurso destes 500 anos. O direito dos índios sobre estas terras preexiste ao reconhecimento pelo Estado, mas as terras só passam a ser status legal na medida em que reconhecidas em um processo administrativo.

Na tentativa de obedecer preceitos estabelecidos por lei, o processo de regularização fundiária dos Xucurus foi iniciado em 89, com a identificação e delimitação das terras, demarcadas em 95 com 27,5 mil hectares. Nos jornais repercutia a denúncia de que um delegado de Pesqueira prendeu de forma arbitrária um Xucuru, torturado a pedido de um fazendeiro. E que também os proibiu de realizarem a dança do Toré. Época em que Chicão já mobilizava sua comunidade e marcava presença junto aos órgãos oficiais e às instituições de apoio à causa indígena, para garantir a terra dos Xucurus. O caso relatado foi apenas um dos que se sucederam, culminando com o assassinato do advogado Geraldo Rolim, do filho do pajé Xucuru e do próprio Chicão.

O processo de regularização dessas terras sempre foi alvo de contestação dos que representam o poder econômico e político da região. Várias investidas vêm sendo feitas com o intuito de estagnar o processo, anular a demarcação e rever os limites propostos para diminuir o território e descaracterizá-lo como terra indígena.

A lentidão e a ineficácia do Estado para resolver problemas como o reconhecimento das terras Xucuru, associadas à ingerência política, promovem encaminhamentos arbitrários à Justiça de uma sociedade que se reconhece como pluriétnica.

Garantias constitucionais e vivência plena da cidadania só poderão ser experimentadas quando houver uma mudança profunda nos preceitos em que está assentada nossa sociedade. O caso Xucuru é mais um dos que ocorrem no Brasil, promovidos pela resistência de uma estrutura agrária arcaica, concentradora de terras que insiste em negar a existência de lógicas adversas ao poder hegemônico.

Vamos, agora, ficar atentos aos desdobramentos da morte de Chicão. Será que, como no caso de Geraldo Rolim, o assassinato do líder Xucuru será descaracterizado enquanto crime relacionado aos conflitos de terra indígena? Quem serão os responsáveis? Ou respondemos com seriedade ou voltamos a comemorar os 500 anos.

Vânia Fialho é Antropóloga