Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá |
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TERRA DOS ÍNDIOS DIREITO
SAGRADO
(Texto Base Semana do Índio:
14 a 20 de abril 1986 CIMI / CNBB)
Terra indígena, direito sagrado:
A idéia da terra, como Dom de Deus e direito sagrado existe não
apenas na religião cristã, como também no judaísmo, no islamismo e em todas as
religiões da Ameríndia e de povos antigos.
Embora desde o início do Cristianismo a idéia de propriedade fosse
algo relacionado com o bem comum, um Dom de Deus a serviço dos irmãos (at. 2,45), aos
poucos ele foi perdendo força, sendo substituída pela idéia da propriedade privada,
adquirida a peso de dinheiro, herança ou conquista. Chegou-se a colocar a propriedade
individual acima da propriedade coletiva, com todas as conseqüências que isto resulta,
principalmente em países como o nosso.
Foi esta visão capitalista e mercantilista da terra que levou muitos
grupos e nações a invadirem territórios alheios, formando ao longo da história
recente, verdadeiros impérios, onde a escravidão era norma e a prepotência era lei. Por
isso, o "direito de conquista" é uma noção que precisa ser questionada, tanto
nacional, como internacionalmente, devendo ser substituída pelo "direito à
vida" segundo a cultura e as tradições de cada povo.
Terra sagrada, de onde surgimos:
As populações indígenas, como todas as populações antigas, mantêm
muito viva história de suas origens, sempre ligadas ao mundo místico, onde se confundem
o terrestre e o celeste. Para eles tudo é sagrado, tudo tem vida, tudo foi feito pelo
Criador.
"A terra não pertence ao homem;
o homem pertence à terra,
....a terra lhe é preciosa e
feri-la, é desprezar seu criador."
(Cacique Seatle, em carta ao presidente dos EUA).
Esta origem religiosa os liga também a seus antepassados, que ali se
encontram enterrados e que continuam presentes, acompanhando e abençoando a comunidade.
Para muitos povos indígenas, o cemitério lugar onde estão
seus mortos, é algo que não pode ficar distante deles.
"Não podemos deixar nossos troncos velhos, os nossos
antigos", diziam os Kaingang do Toldo Chimbangue, em Santa Catarina, quando exigiram
a inclusão do Cemitério tribal em suas terras, embora este ficasse quase dentro do
povoado branco.
A terra é para eles como que um encontro com sua história, com os
grandes antepassados da tribo, o lugar que lhes dá identidade como povo e o direito de
dizer: "Nós somos os que sempre fomos aqui, os que sempre estivemos aqui...".
"Quando a terra-mãe era nosso alimento,
quando a noite escura formava nosso teto,
quando o céu e a lua eram nossos pais,
guiando todos éramos irmãos e irmãs,
quando a justiça criara a lei e sua execução,
aí outras civilizações chegaram!
"(Declaração Solene dos Povos Indígenas CMPI)
A harmonia profunda, existente entre o homem e a natureza, trazia
muitos dados positivos, o que permitiu um grande equilíbrio, não só pessoal,
comunitário, mas também ecológico. As plantas e os animais entravam na sua vida,
fecundando-lhes a existência. Assim verificamos que três dimensões estavam sempre
presentes na vida destes povos:
- um grande amor à natureza a natureza é nossa mãe, tudo tem vida e tudo deve
ser respeitado.
"O que é o homem sem os animais?
Se todos os animais desaparecessem, o homem morreria de grande solidão de espírito.
Pois o que ocorre com os animais, breve acontecerá com os homens. Há uma ligação em
tudo."
(Cacique Seatle)
O Guarani Mário Jacinto, apesar de toda destruição que ocorreu com
seu povo no sul do país, ainda guarda viva esta noção:
"Muitos perguntam:
para que o índio quer tanta terra, se ele não cultiva tudo?
O índio é diferente do branco.
Ele pensa.
Ele sabe que tem que plantar, mas sabe que não pode destruir tudo.
E se o governo abrir mão de mais terra para o índio, o índio vai ter
oportunidade de fazer a natureza voltar a nascer de novo.
Pois a coisa mais linda na face da terra é a natureza...".
- O espírito de partilha
Tudo fruto da terra é sagrado e, como tal, não pode ser vendido, mas
sim repartido.
Esta idéia de partilha existe em todos os grupos indígenas e não se
concebe que alguém tenha adquirido algo, sem que os demais dele participem.
Entre vários grupos, ninguém pode negar o que o outro lhe pede -
idéia aliás, profundamente evangélica (Mt. 5,42).
Os Guarani ainda mantêm forte esta noção, tendo que jamais aceitam
vender os frutos da terra, mas apenas o artesanato, obra de suas mãos. O milho, a
mandioca, o feijão são sempre repartidos.
- a função comunitária da terra
a terra é um dos elementos essenciais para a manutenção da
comunidade. Uma terra indivisa mantêm um povo unido. Tire-se-lhes a terra e o povo
seguramente desaparecerá. Isolado, sem a força de sua comunidade, o índio lutará
sozinho, sendo engolido pelo sistema capitalista da concorrência, perdendo a parada para
outras pessoas mais hábeis nesta engrenagem. Pobre, sem nada, irá engrossar o exército
dos peões, bóia-frias e favelados, que tão tristemente mantêm este nosso sistema de
exploração.
"O branco tem coisas que eu não entendo.
Nós da aldeia tratamos todos de irmãos, mas entre os brancos tem que manda e toma a
terra, e aquele que vai lutar contra o índio, como mandado...".
(Mairauê, índio Kayabi)
Terra sagrada, garantia de nosso futuro
"Não queremos emancipação, nem integração.
Queremos nosso direito de viver.
Jamais o branco compreenderá o índio.
Queremos ser um povo livre, como antigamente...".
Marçal Tupãi, líder Guarani)
A terra é, pois a garantia do futuro dos povos indígenas, único
caminho para a sobrevivência de seus filhos, não como marginalizados, mas como homens
livres, senhores de seu futuro e semeadores de uma sociedade alternativa, não dominada
pelo dinheiro e corrupção, mas pela justiça, partilha, fraternidade e igualdade.
Sozinhos não conseguirão vencer esta dura batalha. Disto têm
consciência e, por isso, lançam um apelo a todos os que desejam engrossar esta luta, que
continua muito desigual:
"De uns tempos para cá, nós estamos achando que vai chegando o
fim do índio. Então nós pedimos a Deus para vir alguém do nosso lado...".
(Maiê, índio Kaingang).
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