Espaço Cultural
do Povo
Xukurú do
Ororubá

VIOLÊNCIA POLICIAL

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Os índios Xucurus estão em pé-de-guerra. O motivo da revolta dos quase 5 mil habitantes da Serra do Ororubá, no município de Pesqueira, é a pressão que o delegado José Petrônio Goes, da SSP, vem exercendo com o objetivo de favorecer o fazendeiro Eudim Bezerra, segundo denúncia feita ontem a tarde, ao secretário Almeida Filho, da Segurança Pública.

Como única saída para a crise, o cacique José Pereira de Araújo exige o afastamento do policial que, segundo eles, chegou a prender de forma arbitrário o índio Edilson Leite e proibiu a realização da cerimônia religiosa do "Toré". O secretário prometeu apurar as acusações.

Conflito:

O segundo cacique dos Xucurus, Francisco de Assis Araújo, "Chicão", o mais falante do grupo de 10 que esteve com o secretário, explicou que tudo começou no ano passado, quando a Constituinte disciplinou a demarcação das terras indígenas e verificou-se que a propriedade do fazendeiro Eudim Bezerra estava dentro da reserva.

Segundo Araújo, "as nossas terras vão até a cidade de Pesqueira, mas nós abdicamos da área depois da BR porque ia criar muitos problemas para a população. No entanto, não abrimos mão das terras do lado esquerdo da estrada, inclusive, onde está localizada a fazenda de Eudim".

"Para nos pressionar"- prosseguiu – "o fazendeiro prestou queixa na Delegacia Municipal alegando que estávamos nos reunindo, dançando o Toré, para invadir a propriedade dele. O delegado, então proibiu a realização de nossas reuniões, que não têm nenhuma conotação guerreira. É, na verdade, uma tradição de mais de 500 anos".

O cacique disse que no último dia 22 aconteceu uma confusão na sede de um clube em Pesqueira entre o índio Edilson e outros rapazes, quando quebraram copos e garrafas. "Mas, tudo foi resolvido, tendo o pessoal pago a despesa. O delegado porém, não ficou satisfeito e na Quarta-feira, três dias depois, mandou prendê-lo".

"Eu fui falar com o chefe do posto da Funai e ele me disse que não ia na Delegacia porque o delegado é arbitrário, e me orientou para ir procurar o advogado. Quando chegamos na delegacia, verificamos que o índio estava ilegalmente preso e só com muita conversa, o advogado conseguiu liberá-lo", contou o cacique.

Após ouvir a promessa de que o caso seria investigado, o cacique afirmou que "só com a transferência do delegado Petrônio Goes poderemos voltar a viver em paz, porque ele nos persegue e não tem condições de continuar na Delegacia".

Documento mostra casos:

No encontro com o secretário Almeida Filho, da Segurança, os índios Xucurus entregaram um documento do Conselho Indigenista Missionário, onde estão relacionadas dezenas de assassínios e agressões a silvícolas, ocorridos principalmente na Região Norte e a maioria relacionada com questões de terra. O documento tem o seguinte teor:

"Nem mesmo a decisão, inédita, de um tribunal de júri da Justiça Federal, em 1988, de punir os responsáveis pelos assassínios de dois índios Xakriabá conseguiu impedir, no decorrer do ano, a crescente violência contra os povos indígenas no País: em 1988 foram registrados os assassínios de índios em todo o Brasil. Pelo menos 28 dos homicídios estão relacionados diretamente a conflitos de terra, outros oito indiretamente.

Os casos mais graves foram a chacina dos 14 Tikuna, no Alto Rio Solimões (AM), mortos a bala em ataque comandado pelo madeireiro Oscar Castelo Branco no início da tarde de 28 de março, e dos Yanomami (PR), que, sabe-se não parou nos nove homicídios registrados. A terminante recusa do Governo de tomar medidas para a retirada dos milhares de garimpeiros do território Yanomami dará continuidade ao massacre desse povo.

Além dos assassínios, há o registro da morte de 25 Yanomami por doenças como sarampo e malária, transmitidas por garimpeiros, e por intoxicação de mercúrio usado nos garimpos. E pode ter sido homicídio a morte de um Katukuna ocorrido em novembro.

No decorrer de 1988, 59 índios sofreram lesões corporais, resultado de algum tipo de agressão: 35 foram baleados, não menos de 19 espancados e 5 mulheres estupradas. Dos índios baleados, 33 o foram por questões ligadas à terra; por igual razão, pelo menos oito dos índios espancados. Os cinco estupros, ocorridos a 23 de outubro, foram de mulheres Taulipang (RR), quatro meninas e uma velha, por quatro garimpeiros que vestiam uniforme do Exército.

Providências:

Como em anos anteriores, a maioria das agressões sofridas por índios não mereceu providências por parte de órgãos executivos ou judiciários, apesar das denúncias e apelos. E dos inquéritos instaurados para apurar as violências, poucos chegaram a ser concluídos.

EM: Jornal do Comércio: 02 / 02 / 1989